sexta-feira, 13 de março de 2009

O diálogo das drogas

O Globo gastou ontem uma página inteira com o encontro em Viena da Comissão de Narcóticos da ONU. O relatório e as declarações de seus representantes admitem o fracasso do que foi até agora tentado para o combate às drogas. Segundo eles, os cartéis se modernizaram e estão ainda mais ricos do que há dez anos. O jornal usou uma enormidade de letras para descrever as ações e as modalidades existentes no mundo sobre combate ao tráfico e recuperação de viciados. Dava para resumir em 5 linhas, mas era tanto espaço que o editor não resistiu em contribuir com um agrado à sanha panfletária de seus chefes. No meio do texto, ligando nada a coisa alguma, a seguinte frase:



Já o presidente da Bolívia, Evo Morales, mascou folha de coca e pediu que a ONU retire a planta da lista de drogas ilícitas nos convênios internacionais.


Justificou a foto da página, Evo segurando uma folhinha. Assim, sem dizer, deixa no ar para o leitor desavisado a impressão de que o governo da Bolívia é um dos entraves ao combate do narcotráfico.

Só na metade do texto entendemos o motivo de tanto esbanjamento de papel e tinta, roubando espaço aos “horrores” da crise. Em Viena também trabalhou a Comissão Latino Americana sobre Drogas e Democracia, aquela do Fernando Henrique Cardoso. Nos 17 nomes da comissão, a presença de João Roberto Marinho, vice-presidente das Organizações Globo.

Se o Globo pode entrar no campo da ficção, inventando uma boba provocação ao Evo, este modesto blog pode também imaginar o diálogo no jatinho entre FH e João Roberto, na volta de Viena:


- FH, estive com tempo nos últimos dias e resolvi estudar melhor o problema das drogas.

- Como assim, João? Eu já te expliquei tudo.

- Sei, sei, mas é que ainda não estava me sentindo preparado, podiam me perguntar alguma coisa...

- Quem vai te perguntar? Fica tranquilo. E o que você está lendo?

- Comprei uns livros. Fiquei ainda mais curioso e pesquisei na internet...

- Cuidado! Não há a menor credibilidade nessa coisa. É terreno do inimigo, nossa grande batalha em breve, vamos acabar com esse lixo...

- Sei sei, mas tem muita coisa que faz sentido...

- Por exemplo?

- Governos, que agora dizem combater as drogas, foram responsáveis pela criação do consumo e do tráfico. Fiquei pensando nisso quando jantávamos com o embaixador inglês em Viena. Que hipocrisia! Lá no início do século XIX, a Inglaterra não tinha o que oferecer aos chineses para trocar por porcelana, seda e chá. Descobriram que ópio bombaria, é fácil “fidelizar” os clientes. Mercado aberto, altíssimo potencial. Criaram uma rota da índia para a China, maior sucesso, até os chineses perceberem o logro. O pau comeu em duas guerras com os ingleses.

- João, isso faz tempo...

- Mas não parou, FH. Em livro de um tal de Alfred W. McCoy, li que de 1945 a 1951 a CIA operou para tirar os sindicatos de Marselha da mão do Partido Comunista, os entregando para a máfia corsa. Bastou terem o controle das docas para Marselha se tornar à época a capital mundial da heroína.

- Mas os comunistas teriam feito estrago pior...

- Em outro livro, de Christopher Robbins, a mesma CIA, no início dos anos 50, organizava o Exército Nacionalista Chinês para combater os comunistas. Este exército se tornou o barão do ópio no Triângulo Dourado (Birmânia, Tailândia e Laos), a maior fonte de ópio e heroína do mundo. Na ajuda, aviões da Air América, companhia aérea da CIA, levavam as drogas...

- Mas eram os comunistas, sempre eles...

- Mas não só. O Nugan Hand Bank, de Sydney, era um banco da CIA. Todos o seu “bord” era de generais, almirantes e burocratas da CIA, incluindo William Colby, seu advogado. Li no livro de Jonathan Kwitny que a grande especialidade do banco era financiar o tráfico de drogas, a lavagem de dinheiro e os negócios internacionais de armas...

- Isso tem o maior cheiro de teoria da conspiração...

- E o caso do Manuel Noriega, algo bem conhecido. Ele foi muito bem pago pela CIA, apesar dos americanos saberem desde 1971 que o general estava pesadamente envolvido no tráfico e lavagem de dinheiro. E cúmulo do fingimento: autoridades dos EUA, incluindo o então diretor da CIA William Webster e vários responsáveis do DEA, enviaram a Noriega cartas de agradecimento pelos esforços para impedir o tráfico de drogas. Claro, ele e os EUA se ajudaram para acabar com a competição ao Cartel de Medellin. O governo dos EUA só se voltou contra Noriega, invadindo o Panamá em dezembro de 1989 e sequestrando o general, depois de descobrir que ele também fornecia informações e serviços aos cubanos e sandinistas. Ironicamente, o tráfico de drogas através do Panamá aumentou após a invasão dos EUA. Está em outro livro, Our Man in Panama, de John Dinges.

- Geopolítica, João. Já falamos sobre...

- E o caso Irâ-contras? Os EUA vendiam na surdina armas ao governo do Aiatolá Komeini e traficavam drogas para financiar os contra revolucionários na Nicarágua. O San Jose Mercury News fez um série de artigos, ta lá no resultado do comitê Kerry, de 1989.

- Deixa pra lá, esse jornal está morto...

- A CIA criou a Al Quaeda na década de 80 no Afeganistão. Os caras faziam tráfico de drogas enquanto combatiam o governo apoiado pelos soviéticos. O principal cliente da agência era Gulbuddin Hekmatyar, um dos principais senhores da droga e o principal refinador de heroína. A CIA forneceu caminhões e mulas para levar armas e trazer ópio para laboratórios ao longo da fronteira afegã-paquistanesa, onde era transformado em heroína. A produção abastecia a metade da heroína usada anualmente nos Estados Unidos e três quartos daquela usada na Europa Ocidental. Depois, em 2001, vencendo os talibãs, o Afeganistão voltou a produzir heroína, só que agora ele é responsável por 80% do consumo mundial.

- João, você anda lendo muito. Vamos mudar de assunto. Ontem, como sempre de madrugada, o Serra teve uma ótima idéia. Já contei para o Tasso. É o seguinte...

8 comentários:

Advogado disse...

Olá,
Gostei do blog. Principalmente do vídeo no youtube sobre o Gabeira. Muito interessante. Vi "Hércúles 56" e fiquei com vontade de ter participado de uma pré-estréia dessa.

Deixei um link no meu blog. ok?

Daniel
http://papodepolitica.blogspot.com

Anônimo disse...

A CIA também facilitou o tráfico de drogas nos centros urbanos dos EUA, especialmente nos bairros com grande percentual de população negra, justamente para minar o movimento dos Panteras Negras.

Walmir disse...

Só não acho que o Marinho tenha tantas dúvidas, mano Jurandir. E se tem, em principal, será com outras estrepolias.
Paz e bom humor, sempre.

Anônimo disse...

Sr. Jurandir,

A muito não lia algo tão abrangente, esclarecedor e objetivo.
Digno de um historiador!
Cumprimento-o.
Alonso.

Daniel Pearl Bezerra disse...

O BLOG DA DILMA é destaque nacional, faça uma visita ao maior portal
da Ministra Dilma Rousseff: http://dilma13.blogspot.com
Atenciosamente,
DANIEL PEARL - editor geral
BLOG DA DILMA BRILHA NO "ESTADÃO"
Estadão - Andreia Sadi: Não oficial e criado por blogueiros simpatizantes da ministra, blog contém slogans como 'Sou PT, sou Dilma 13

SÃO PAULO - A campanha da ministra Dilma Rousseff (PT), candidata do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a eleição de 2010 só não começou oficialmente pelo obstáculo da legislação eleitoral - que proíbe propaganda antes de julho do ano da eleição, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mas em espaços como a internet, a corrida eleitoral já está antecipada - e muito acessada.

O "Blog da Dilma" é um exemplo. Embora não seja oficial, o (e)leitor encontra nele notícias atualizadas sobre a agenda da ministra, comentários sobre os principais temas do momento, como efeitos da crise internacional e grampos telefônicos, além de críticas ao provável concorrente tucano, o governador de São Paulo, José Serra. Slogans como "Sou PT, sou Dilma 13" e Dilma é PT. Dilma é Nordeste" também aparecem. O blog se autodenomina o maior portal de Dilma Rousseff na internet. Criado por Daniel Bezerra, que trabalha no Palácio do Governo do Ceará, o blog entrou no ar em novembro do ano passado e conta com a colaboração de mais seis editores - que se conheceram via outros blogs na internet, mas nunca se viram - tendo inclusive a participação de uma escritora (Glória Leite) que mora na Alemanha, segundo o editor-geral Daniel (Pearl) Bezerra de Oliveira. O "Pearl" no seu nome é uma homenagem e referência ao jornalista Daniel Pearl, que foi sequestrado e morto no Paquistão.

A ideia do espaço da ministra na internet surgiu do próprio Daniel Bezerra, que já tinha seu blog. Ele entrou em contato com outros blogueiros para convida-los a participar do projeto. "Eu já tinha o meu blog, cada um já tinha o seu. É um blog de blogueiros. Acho que só o Saraiva (o juiz) é filiado ao PT, o resto não. Cada um mora em um lugar, uma região. A gente se fala pela internet. Tem juiz de direito aposentado, estudante e bancário na produção - mas nenhum jornalista ", diverte-se a enfermeira de São Paulo Jussara Seixas, umas das responsáveis pelo conteúdo. Jussara se diz "assustada" com a repercussão do site na mídia e com o número de acessos. Daniel afirma que o maior pico por dia foi de 7 mil acessos, "que vinha variando entre 4 a 5 mil". "Por mês atinge mais de 160 mil acessos", conta. Assim que o blog ganhou proporções maiores, Daniel tentou contato com a ministra e com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Daniel, quando fez o blog, e as reportagens começaram a citá-lo, mandou as principais para a Casa Civil porque ele quis. Mas não tivemos nenhuma resposta, nem da Casa Civil nem do Planalto", lembra Jussara.

O estadao.com.br apurou que o gabinete do presidente Lula recebeu o ofício encaminhado pelo editor. Procurada pela reportagem, no entanto, a assessoria do Planalto e da Casa Civil não comentaram o conteúdo do blog. O blog é atualizado diariamente, de acordo com a intensidade da agenda da ministra: "Tem dias que chegamos a atualizar 15 vezes". A equipe também controla os comentários - alguns "impublicáveis" - a que Jussara atribui aos "não-simpatizantes de Dilma. "A oposição costuma entrar no blog e deixar comentários. São muitos, mas tem uns que não dá", conta. Jussara aposta na vitória de Dilma em 2010, pela "proximidade com o presidente Lula". "Eu estou achando que ela ganha. Uma pessoa, que é ligada ao Lula como ela, que tem essa popularidade recorde em plena crise, acho que ganha", finalizou.

Jurandir Paulo disse...

Obrigado pelos comentários. Respondo ao Walmir para justificar um ponto:

Walmir, na caricatura do diálogo usei de algumas informações, talvez um tanto privilegiadas por eu morar aqui no Rio, e ter amigos que são boa fonte. O fato é que a família marinho sempre foi tutelada por representantes da fina flor do conservadorismo. Entre tantos, FH era e é um professor dos filhos de Roberto Marinho. Apenas eu exagerei, ele é melhor aluno do que na caricatura. Forte abraço do mano blogueiro carioca.

Anônimo disse...

Entrei para acrescentar o caso dos Panteras Negras, mas o Luis Henrique já lembrou disso.

Jurandir Paulo disse...

O Luiz Henrique e o Jean bem lembraram as mãos da CIA desestabilizando o movimento dos Panteras Negras com as drogas, particularmente o crack. Sobre o assunto, de um ponto de vista marxista, há um trabalho acadêmico bem interessante do professor Ney Jansen, que vai muito mais além e aconselho a leitura:

http://www.urutagua.uem.br/012/12jansen.htm

Um outro caso também não citado, infelizmente são muitos, foi a atuação do BCCI (Banco de Crédito e Comércio Internacional), fundado em 1972 no Paquistão e fechado em escandaloso rombo no início dos anos 90. O banco se notabilizou por ser uma das maiores lavanderias de dinheiro de drogas do mundo, com a mão da CIA. É assunto varrido para debaixo do tapete pela imprensa corporativa. Há lá pistas interessantes para entender muito da nossa história recente. Entre seus acionistas e diretores estavam Khalid bin Mahfouz, um dos investidores que em 1988 colocaram um bom dinheiro em uma pequena e desconhecida empresa de petróleo texana chamada Harken Energy. Por acaso, a empresa era do filho do presidente doa EUA, que naquele ano fora empossado. Este filho, em 2001, declarou guerra contra o terrorismo e Osama bin Ladem, por acaso irmão de Salem bin Ladem, outro sócio saudita na mesma empresa. Talvez apenas por casualidade, outro diretor do BCCI era James Bath, colega de Bush Junior quando serviu na força aérea americana e caiu na simpatia de Bush pai, que o levou para a CIA. Tudo assunto que certamente não é do interesse jornalístico, não é mesmo?