quarta-feira, 5 de março de 2008

Ele não sabe o que diz, ó pai.

Leio sobre o liberalismo. Busco em Hayek os fundamentos da crítica ao bolsa-família do nosso querido Ali Kamel. Não acho.

Mas insisto. Sou chata. Cato em seu artigo Bolsa-Eletroméstico a visão que fundamentaria a dimensão de desvio de recursos. Não acho.

Não satisfeita, já que meu lado auto-crítico é exigente, busco experiências em países de tradição liberal as críticas sobre o mau uso das políticas de compensação social. Não acho.

Assim como não encontro, nas normas da compensação, nada sobre o que deveria ser comprado, consumido ou detonado, whatever it is, com tais recursos.

Não estou falando de normas brasileiras, estou falando de economias liberais. Ou ditas liberais.


Então, vamos às aulas: os Estados Unidos, a Inglaterra etc, países que professam a teoria liberal são contrários às limitações das liberdades individuais no que dizem respeito a que fazer com nossos bens e vontades, certo? E isso é o Pareto Ótimo para estas economias. O ideal está na liberdade, certo? Neca de determinar o que fazer, confere? Ainda mais pelo Estado. Isso é economia planificada, o Mal.

Então. Os países citados foram dos primeiros a ter políticas compensatórias. A partir da idéia liberal que deveríamos ter igualdade de oportunidades, não dá para pensar em um mundo onde uns têm herança e outros só têm as dívidas paternas como futuro, blá blá. Daí, impostos sobre herança e renda mínima, educação etc etc etc para todos, para que nossas potencialidades sejam julgadas e premiadas pelo ser supremo, o Mercado.

Chegamos ao terceiro mundo. Aqui, no Brasil. Ora bolas. Alguém constesta nosso pior lugar no ranking da desigualdade social? Opa. Chegamos ao quinto. De baixo para cima....

O presidente lança o bolsa-família - é pra ganhar votos! Bem, e o que não é? - e objetivamente diminui a desigualdade social. Os cabras ganham até 200 pilas para comprar o que necessitam. Ou simplesmente o que quiserem, certo? Os meus liberais dizem que sim.

Desconsideremos a pressão positiva sobre o aumento da renda causado pela Bolsa-Familia (ou sobre a distribuição de renda, eeei, liberais, aqui temos um ponto em comum!) dos trabalhadores dos canaviais, por exemplo – foi provado que já que os usineiros pagavam meia mariola para seus escravos, ops, trabalhadores, estes assim decidiram que ficar em casa era mais negócio que receber o que era oferecido, a maldita bolsa foi de fato fator fundamental para que a remuneração para cortar cana fosse aumentada - o que foi interpretada pelos nossos liberais como "preguiça de trabalhar"...


Enfim, colegas. Catei, catei e não achei. Nada na teoria liberal clássica que condene o uso LIVRE dos recursos pelos seus beneficiários. Seriam nossos liberais ignorantes pura e simplesmente ou eles querem ter um Estado – E maiúsculo – dirigido?

2 comentários:

Jurandir Paulo disse...

É uma bela aula, professora Kelly. Realmente, nossos neocons não são liberais. Querem afagar os bagos de seus patrões com uma mentalidade colonial, pré-liberalismo. Os caras podem comprar comida, mas não a geladeira pra guardar. TV nem pensar, mesmo que fosse para assistir às baboseiras da TV Globo. Acho que a família Marinho precisa urgentemente dar umas aulas para seu pupilo Kamel.

Anônimo disse...

Oi,

assim, nao vou afirmar ser um especialista em Hayek, pois pouco o li, mas eu acredito que sim ele tenha em seus livros uma grande critica à procedimentos de redistribuicao de riqueza, que em um certo sentido seria o bolsa-familia. Isso é inclusive dito por inumeros comentaristas, criticos ou nao ao seu pensamento. Se nao me engano, a fundamentacao deste pensamento pode ser encontrada no segundo volume do seu "Law, Legislation and Liberty, Volume 2: The Mirage of Social Justice", onde ele discute a mais nova teoria Liberal americana, a do John Rawls. Mas como eu disse, posso estar errado, pois li somente trechos deste livro.

Uma outra coisa, o termo liberal é muito perigoso atualmente, pois liberal nos EUA significa outra coisa que no resto do mundo. Liberal nos EUA significa algo como Social Democrata na Europa, e isso cria muita confusao, pois nos EUA, muitos criticos do "Right Wing" (conservadores), criticam os liberais como sendo socialistas. Por isso é comum ser afirmado nos EUA que sao as politicas liberais que sao as "progressivas" ou entao de cunho social, sendo "bem-estarisata" (na falta de um termo melhor pra welfarism).

Tanto que dentro da teoria liberal rawlsiana se centra em um "liberalismo politico", onde os liberais tem a ver com criacoes de direitos, ou como eles chamam, de liberdades (outros, Ronald Dworkin, veem tal liberalismo como "liberalismo igualitarista"). E dentro dessa teoria, é impossivel um individuo ser livre sem que ele possua certos direitos basicos, que incluem direitos sociais e economicos. E tambem politicas de acao afirmativa, tais como a bolsa familia e as cotas universitarias, sao medidas amplamente justificadas por buscarem criar um maior terreno de igualdade social (que se estenderia em inumeras sub-esferas sociais, como a economia e a politica). Quanto maior igualdade social, maior a liberdade dos cidadaos de um pais.

Porem, esta ideia é amplamente criticada por Hayek, cujos argumentos, no entanto, sao muito melhores do que do jornalista Ali Kamel. Enquanto os arugmentos do Hayek se apoiam sobre nocoes conceituais e normativas acerca da justica e relacao entre os individuos, os argumentos do Ali Kamel se baseiam em cima de "contradicoes" do proprio intuito da politica em questao, seja contradicao com relacao à realidade, ou em contradicao com o proprio fim da teoria. E as contradicoes que ele aponta, sao em inumeros momentos, contraditorios.

Bem, por fim, gostaria de parabenizar pelo blog, que é bem interessante e inteligente.

Abs!

Daniel