quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Balanço das eleições (2) – Togas e votos

Uma das marcas destas eleições municipais foi o assassinato da democracia, patrocinado pelo TSE e seus TREs, que cercearam a liberdade de expressão garantida na constituição brasileira, enquanto em nada atuaram para impedir o abuso do poder econômico. Há fatos graves que merecem atenção de toda a sociedade. E sobre isso, acho preocupante não ler manifestações públicas ou comentários em blogs. Inclusive por eles, e toda a própria internet, serem alvos declarados deste cerceamento, apenas não consumado pelas dificuldades práticas que impediram a fiscalização. Uma única exceção, que eu tenha tomado conhecimento, foi a isolada manifestação de Idelber Avelar em seu blog, em 19 de outubro, quando disse que a “judicialização do debate político é daninha e deve ser combatida. (...) Por isso acho cínico e intolerável que algum blogueiro passe a considerar natural que um partido político seja proibido de, caramba, imprimir um panfleto”. Opinião solitária, depois compartilhada por alguns comentaristas em seu blog, que levantaram um problema grave e impossível de ser abraçado pela cúmplice mídia oficial.

Vamos juntar e pensar sobre fatos conhecidos:

A liberdade de expressão

Um novo conceito debutou em 2008, o da “propaganda negativa”. Não está na lei, a Resolução nº 22.718, que regula o Código Eleitoral, mas na jurisprudência estabelecida nos tribunais, exercida severamente pelos seus fiscais e propagada com estridência pela mídia. Diversos materiais foram apreendidos em 2008, adesivos retirados de militantes e panfletos considerados apócrifos por não estarem com a devida assinatura da campanha, seus candidatos, siglas etc, que é o que rege a Resolução. Imaginem o inusitado da lei que fez fiscais do TRE, em plena Av. Rio Branco, no Centro do Rio, recolherem adesivos da União da Juventude Socialista, a UJS, que mostravam Fernando Gabeira ao lado de César Maia, José Serra e FHC. “Propaganda negativa” por não registrarem também o candidato Eduardo Paes, seu vice, e os vários partidos que compunham a aliança no segundo turno. Haja desafio para a diagramação em tão restrito espaço. As incoerências foram várias e fizeram vítimas.

Um caso exemplar: no dia 16 de outubro, O Globo publicou toda uma nobre página sobre a apreensão de uma Kombi com material irregular de campanha de Eduardo Paes. Havia lá faixas com a inscrição: "Sou suburbano com muito orgulho", em referência à declaração do candidato do PV contra a vereadora Lucinha (PSDB), material de sobra de campanha da vereadora eleita Clarissa Garotinho e panfletos assinados por uma associação de moradores, considerados apócrifos apenas por não seguirem as normas da lei, com as devidas assinaturas de campanha. O presidente da Associação de Moradores do Morro São José da Pedra foi ouvido e negou autoria. E a palavra “apócrifos” foi grafada diversas vezes ao longo do texto.

No dia seguinte, mais uma página em destaque sobre o episódio. Poucos fatos novos, mas a apuração ao longo do dia descobriu que o presidente da associação era quadro do PMDB. De novo foi ouvido, confirmou seu histórico com o PMDB e voltou a negar a autoria do panfleto. O título da reportagem: “Todos os caminhos da Kombi levam ao PMDB”.

Trocando em miúdos. A rígida e parcial legislação eleitoral, que obriga campanhas a normas grotescas, como a de fazer constar em cada material assinatura de campanha oficial, permitiu o sensacionalismo do jornal. Em um dia o grande crime era o de panfletos serem apócrifos. No segundo, de serem assinados pelo PMDB. Uma nítida manobra diversionista.

Mas, graças a leitor deste blog, vamos ao conteúdo do panfleto para tirarmos algumas conclusões. Diz ele:

Vamos dizer não a diminuição da qualidade de vida da Zona Oeste

A posição do candidato à prefeitura do Rio de Janeiro, Fernando Gabeira, ao fazer críticas desrespeitosas à vereadora Lucinha, contrária à instalação do lixão em Paciência, é, no mínimo, surpreendente.

Parece incoerente uma vez que o deputado Luiz Paulo, seu vice, e a vereadora Lucinha sempre se posicionaram contrários ao lixão.

As alianças que estão sendo formadas neste segundo turno podem ajudar a entender a natureza deste ataque. Todos sabem que o prefeito César Maia, que apóia declaradamente a candidatura de Gabeira, tem interesse na instalação deste lixão em Paciência.

Amigo de Julio Simões, César pode ter condicionado seu apoio no segundo turno à instalação do lixão. Julio é “o tubarão do transporte de lixo” e recebeu R$ 15 milhões por mês (R$ 180 milhões por ano) da Conlurb durante toda a gestão do prefeito. Ele quer ser o dono de Paciência e trazer à Zona Oeste todo o lixo da cidade e de outros municípios. Só isso explica a opinião do candidato à Prefeitura sobre a posição da vereadora.

Porém é preciso observar os fatos. Ao chamar a vereadora Lucinha, combativa defensora da população da Zona Oeste, de “analfabeta política”, de visão suburbana e precária, numa conversa ouvida por jornalistas, Gabeira mostra ao que veio.

Assoc. de Moradores do Morro São José da Pedra


Eu pergunto: tirando a ilegalidade, conseqüência da burocrática e rigorosa lei, o que este conteúdo tem de errado?

Eu digo, nada. Muito pelo contrário, há nele questões mais relevantes para os interesses da população do Rio de Janeiro do que muito do que foi discutido em mornos debates na TV. A questão do lixo passa por duas empresas, a de Julio Simões, a maior transportadora brasileira e uma outra, a Marquise, que disputam e dividem interesses dentro da comprometida Assembléia Legislativa, fato que o mesmo jornal O Globo noticiou diversas vezes. Tal queda de braços já levou a acaloradas discussões dos parlamentares, várias comissões na Alerj, com uma cobertura pífia da mídia. Levantar o assunto na campanha é altamente positivo, e tarefa obrigatória da sociedade organizada, mas infelizmente negada pela legislação eleitoral.

O abuso do poder econômico

Tenho poucas informações do restante do Brasil, mas no Rio de Janeiro imperou o uso do poder econômico no resultado das eleições. O fato dos governadores dos três maiores estados brasileiros terem elegido os prefeitos de suas capitais já merecia um voto de desconfiança. O visível uso do dinheiro, inclusive público, para patrocinar uma horrenda demonstração da nossa barata mão de obra, que segurava placas poupando postes, outra. E novas questões ficaram claras sobre como os Tribunais Eleitorais foram omissos em controlar o abuso do poder econômico. Matéria do jornal O Globo de 26 de outubro demonstra que dos 51 novos vereadores eleitos, 19 o foram graças a artimanha dos centros sociais. Uma aberração, comparada aos piores métodos dos coronéis de nosso passado colonial. Basta uma política clientelista a uma comunidade carente para transformar milagrosamente em votos pouquíssimos investimentos. Algo que foi usado por 37% da nova Assembléia, mais que um terço dela. Exemplo está na tal vereadora Lucinha, a mais votada, que controla seis centros sociais.

E o que nossos juízes eleitorais fizeram? Olharam para o outro lado, mais preocupados em impedir o povo organizado de manifestar sua opinião. Querem um exemplo? Está no mesmo O Globo de 26 de outubro, data do segundo turno das eleições municipais, em entrevista de Rogério Nascimento, procurador regional eleitoral, representante do Estado em nome da população, para nele fazer valer nossos direitos na legislação. Ao passar o bastão para a nova procuradora, Silvana Battini , fez um balanço de problemas. Diz ele sobre os centros sociais:

“A disputa acirrada trouxe também o abuso de poder econômico e os centros sociais são o maior problema e maior sintoma do abuso de poder econômico. Tivemos muitos candidatos vitoriosos que devem seu mandato a esses centros. Isso eu sempre defendi e não tive nenhuma decisão da Justiça que abraçasse esta bandeira. É um erro grave achar que centro social é um mal necessário. É grave a conseqüência para a democracia, porque tira a igualdade de condições entre candidatos.”

Boa constatação. E deveria o jornal melhor apurar os motivos que levaram a Justiça a não abraçar esta bandeira. Mas segue o procurador em seus pensamentos, em outras considerações sobre o processo eleitoral:

“O TRE precisa urgentemente se capacitar para enfrentar o uso da internet para as eleições de 2010 e as campanhas difamatórias ou irregulares. Hoje, a computação permite imprimir de forma rápida e barata, e a cidade está cheia dessas gráficas.”

Pois é, amigos da blogosfera, como deve ser difícil abraçar a bandeira do controle do abuso do poder econômico, melhor acabar com a manifestação crítica de quem tem um blog, quem pode fazer facilmente um panfleto para denunciar tal prática. É mais barato e eficiente acabar com a livre expressão. Não havendo reclamações, não há problema. Nada diferente do que se faz nesse país há alguns séculos.

9 comentários:

Joel Neto disse...

Mas, é obvio que o PIG e boa parte do judiciario (mais corrupto do 3 na minha opinião), não admitirá "propaganda negativa". O candidato deles (Serroquio)só admite propaganda positiva, para ele é claro.

Anônimo disse...

POis é, mais um excelente texto.
É assustadora a idéia de como poderá (e será) as eleições 2010.
Depois da demonstração nas eleições desse ano podemos esperar de tudo.
Mas continuemos a nos manisfestar enquanto podemos, e quando tentarem nos impedir estaremos mais fortalecidos.
Vide a blogosfera paulista que se uniu a favor do Kassab e fizeram uma campanha a favor dele na net, não digo de blogs pequenos, mas blogs de grande porte e até humorísticos entraram na briga.
Bem é isso, depois volto... mais uma vez PARABÉNS !!!

Anônimo disse...

Plus ça change, plus c'est la même chose, querido Jurandir.
As leis, normas, portarias, instruções em tese saem quentinhas do forno para manter os privilégios de quem já os tem.
Acho até bonito o chamado ao povo blogueiro, mas reconheça que esta ação tem lá seus bem definidos limites.

Jurandir Paulo disse...

Pois é, cara Kelly, mas a verdade é que meu atual pessimismo não permite acreditar em (re)ação até da torcida do Flamengo. Também tive a lição do brilhante alemão cabeçudo, que abriu a cortina para explicar como funciona o estado burguês. O problema é que estranho o progressivo conformismo de nosso proletariado, que abre a porta para os verdugos, enquanto a academia faz brilhantes teses, visando apenas os futuros arqueólogos.

Anônimo disse...

Kelly,

A idéia de que esses panfletos foram apreendidos como uma forma de censura é um equívoco. E esta errada cobertura dos jornais de que os mesmos foram apreendidos por serem "propaganda negativa" não é uma manipulação pró-Gabeira, mas uma manipulação pra esconder as verdadeiras suspeitas que levaram à apreensão. Explico.

É esclarecedora a primeira matéria veiculada sobre a apreensão dos materiais. Em trecho de matéria do Globo de 17/10 consta o seguinte:

"Segundo o promotor eleitoral Rodrigo Belchior, ao contrário do que determina a lei, o panfleto não informa qual candidato ou coligação pretende beneficiar. Além de determinar o recolhimento do todo o material ainda não distribuído, o juiz oficiou a Coligação "Unidos pelo Rio" para que esclareça se recebeu doação do PT, contratante na impressão."

Deixe-me repetir a última parte: o juiz oficiou a Coligação "Unidos pelo Rio" para que esclareça se recebeu doação do PT, contratante na impressão.


A exigência de constar o nome da coligação favorecida não é uma "burocracia rídicula", mas um mecanismo para controlar as contas de campanha. O material foi apreendido pois foi GASTO NÃO CONTABILIZADO (o popular CAIXA DOIS). Há suspeita de uso de dinheiro público para imprimir tais panfletos - o que aliás seria só mais uma ocorrência na longa história do PT de fazer campanha com dinheiro do povo.

Suponhamos que qualquer um pudesse imprimir material a favor ou contra qualquer candidato. Então por que contabilizar gastos de campanha, se eu posso pedir para meus "doadores" distribuirem panfletos sem qualquer controle da origem de seu dinheiro? Aí é muito fácil receber dinheiro sujo em sua campanha, e, caso seja descoberto, afirmar que não tinha nada a ver com o caso. Aliás, foi exatamente isso que o Paes fez.

A idéia de que essas apreensões foram alguma tentativa de censurar a liberdade de expressão é desmontada com uma simples observação: os mesmos textos e afirmações foram veiculados de várias outras formas, sem qualquer coação ou represália por parte do TRE. Paes chegou a afirmar em um debate na TV que Gabeira é a favor da prostituição infantil (o que poderia até ser enquadrado como calúnia) e nada ocorreu com ele.

Antes de dizer que a "PIG" persegue os pobres petistas, e reclamar de abuso de poder econômico, contabilizem a quantidade de vezes em que a mesma imprensa abafa as irregularidades de um partido que tem na mão as maiores empresas do país e grande parte do PIB do país.

um abraço,
Lucas

link da reportagem:
http://oglobo.globo.com/pais/eleicoes2008/mat/2008/10/17/tre-rj_apreende_12_mil_panfletos_contra_gabeira_tiragem_pode_chegar_3_milhoes-585992650.asp

Anônimo disse...

correção "uma das primeiras noticias" e não "a primeira noticia"

abraço,
lucas

Anônimo disse...

Não faz o menor sentido essa reclamação toda com a "PIG". É claro que a imprensa está longe de ser boa, mas isso não significa que a gente pode sair culpando ela por tudo.

A imprensa, numa sociedade capitalista, apoia sempre os mesmos partidos: PVJ (Partido que Vende Jornal) e PA (Partido dos Anunciantes). Na atual situação do Brasil, a mídia fica um pouco perdida entre os dois partidos.

De um lado, a maior parte dos grandes anunciantes ou são do governo ou lucram muito com o governo, então não pega bem falar mal... Por outro, todo mundo sabe que falar mal do governo (seja ele qual for) dá muito mais ibope, principalmente quando o governo popular (Reinaldo Azevedo, nas listas dos mais vendidos com "O País dos Petralhas", que o diga).

A solução encontrada foi mais ou menos a seguinte: só a Veja fala mal (mal mesmo) do governo. Aí as outras tiram uma casquinha dos escândalos, vendem um jornalzinho, depois ajudam a abafar, afinal não vão abrir mão de anúncio de página inteira de empresa estatal, né?

abraço,
lucas

André Egg disse...

No meu blog, escrevi também sobre um outro problema: a demora em cassar candidaturas irregulares. Compromete totalmente a lisura das eleições.

No fim, o que ainda emperra o Brasil é o judiciário, o único dos poderes que ainda não se apercebeu do fim do regime militar (a imprensa também está nessa).

Precisamos começar uma campanha muito séria por uma reforma profunda nesse poder, senão qualquer tentativa de renovação política será infrutífera...

Jurandir Paulo disse...

Lucas, a motivação do TSE pode ser justificada pelo controle de gastos de campanha, ou para responsabilizar campanhas contra possíveis excessos, como calúnia, injúria, ou difamação. Mas, na prática, a vítima maior é a liberdade de expressão, garantida na lei maior que é a constituição.

Exatamente em uma eleição, onde é mais necessária a manifestação da sociedade organizada, a lei e suas interpretações criam impedimentos graves. Pense nas contradições: uma associação, um sindicato que tenha denúncia contra candidato, se não estiver ligado a uma candidatura não poderá se manifestar durante este período. Neste segundo turno votei nulo, nas regras eleitorais não poderia fazer um simples panfleto, já que necessariamente teria que registra-lo em uma coligação.

E perceba que com todo esse dito empenho dos tribunais eleitorais, foi visível o abuso econômico, com mais de 1/3 da Câmara eleito graças a práticas clientelistas coloniais e com eleições marcadas por um fraquíssimo nível do debate político.