segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Balanço das eleições municipais (1)

Nesta segunda, amanheceremos com várias análises dos resultados das eleições municipais. A disputa continuará na interpretação dos números, sobre quem e quais partidos foram vitoriosos. Há o que dizer, mas gostaria de chamar a atenção para outras questões que remetem a melhores reflexões:

1) A crise financeira mundial não compareceu nestas eleições. Deveria. Para o ralo foram mais do que os 686 trilhões de dólares. Junto, naufragaram as principais idéias do neoliberalismo sobre um mundo governado pelo mercado, com estado mínimo. A inegável vitória de José Serra, que será incensada por sua mídia nos próximos dias, terá pela frente o desafio de reinventar um novo discurso. O esboço já foi dado na campanha de fazer colar a crise no vazio de um tucano para enfrentá-la. Torcida pelo quanto pior melhor, desqualificação cotidiana de qualquer decisão do governo. Mesmo assim, quando os tamborins de 2010 esquentarem, será preciso muita lábia para esconder a contestação ideológica sobre as baboseiras econômicas do tucanato e seus aliados.

2) Nas duas maiores capitais a disputa final ficou claramente marcada pela diferença entre classes sociais antagônicas, com as classes médias se aliando às elites e com forte papel no processo. É fenômeno interessante para análise de nossos acadêmicos. Vale ler com atenção o comentário de Altamiro Borges em seu blog na última sexta, que usa referências fundamentais como o livro “Classe média: desenvolvimento e crise”, de Márcio Pochmann. Em São Paulo elas foram vitoriosas, com sua aversão às soluções de atendimento aos seus nordestinos, com o protesto à perda de privilégios no trânsito, com uma sensibilidade ao discurso direitista de sua mídia. No Rio, quase conseguiram graças à criação de um neolacerdismo, agora mais colorido, graças à mídia que há muito pinta o conservador Fernando Gabeira como um candidato moderno, avançado e progressista. O último parágrafo de Miro sobre a classe média vale quase como uma tese:

“Egoísta e egocêntrica, ela não percebe que o país não se desenvolverá, inclusive alavancando as suas camadas médias, sem justiça social; que a miséria estimula a violência e criminalidade; que a barbárie acirra o apartheid social, com os presídios para os pobres e os condomínios fechados, cercados de segurança e câmeras, para os abastados. Ela se opõe às políticas públicas a serviço do conjunto da sociedade e depois reclama dos congestionamentos provocados pela “civilização do automóvel” privado. Critica o Bolsa Família, mas sonha com sua bolsa de estudo no exterior. Diz não ser racista e preconceituosa, mas cada vez mais se parece com a elite fascista da Bolívia.

3) Faltou aprofundamento nas questões políticas e ideológicas. Os debates foram pouco esclarecedores. Particularmente aqui no Rio de Janeiro, onde nem aconteceram no primeiro turno. Deve-se em grande parte ao papel nitidamente inibidor do TSE na regulação destas eleições, que legislou para evitar o aprofundamento da discussão política, enquanto fazia vista grossa para os abusos de poder econômico. Algo a ser comentado em próximo post.

4) Teve papel no resultado os equívocos da esquerda, que não soube interpretar as disputas entre campos políticos e ir além de interesses imediatos de resultado para suas legendas. Vale esperar se mais esta lição terá algum efeito de mudança. Com o capitalismo em crise aguda, resta saber se a esquerda conseguirá um mínimo de ação unitária para ocupar mais espaço. Deveriam estudar o pessimismo de Eric Hobsbawm, que recentemente deu entrevista sobre a crise financeira e alertou para o perigo do fortalecimento da direita:

“Nos anos 30, o claro efeito político da Grande Depressão a curto prazo foi o fortalecimento da direita. A esquerda não foi forte até a chegada da guerra. Então, eu acredito que este é o principal perigo. Depois da guerra, a esquerda esteve presente em várias partes da Europa, inclusive na Inglaterra, com o Partido Trabalhista, mas hoje isso já não acontece. A esquerda está virtualmente ausente. Assim, me parece que o principal beneficiário deste descontentamento atual, com uma possível exceção – pelo menos eu espero – nos Estados Unidos, será a direita.”

6 comentários:

Carlinhos Medeiros disse...

Excelente!

Joel Neto disse...

Na minha opinião o que prevaleceu foi o continuismo das administrações que foram bem avaliadas pelo municipe. Não teve isso de ideologis não. Acredito que isso vai aparecer e com força na eleição de 2010, e aí Dilma sem sombra de duvida ganha de goleada.

Jurandir Paulo disse...

Briguilino, não teve mesmo nenhuma discussão ideológica. E deveria, eu disse no post. A crise que aí está já se impõe sobre a política. E para o sucesso de Dilma, até aqui a minha candidata, o PT terá que se preocupar com este discurso ideológico, avançar contra o neoliberalismo.

Anônimo disse...

eu votei nulo aqui no Rio. mas ver a classe média e zelites deslumbradas e falsamente de esquerda, q ostenta bolsas com os dizeres "I am not a plastic bag" e que come alimentos orgânicos, mas q trata mal a empregada ou que usam babás-de-branco, ah, ver essa gentinha enlutadinha eu confesso que gostei. O Gabeira é uma farsa. O paes também, nomeou o chefe de gabinete do psdb, essa pgara tucana continua...
Eu também acho que o pt deve se articular contra o dem-psdb e seu discurso serrista.

André Egg disse...

Antecipou um post que eu queria escrever.

A falta de discussão política é patente, inclusive porque a esquerda abriu mão do debate.

Ganhar a eleição é mais importante do que qualquer coisa, então dizemos que temos o candidato mais bonito, mais honesto, mais amigo do Lula, etc. Nenhum candidato tem coragem de colocar na mesa propostas inovadoras, ninguém quer discutir nada. Todos temem o risco de perder a eleição.

Isso começou em 2002, quando o PT decidiu eleger Lula a qualquer custo. O custo foi muito alto - o fim do PT como alternativa de esquerda. Virou um partido totalmente assimilado. E o pior é que não existe outra opção.

Jurandir Paulo disse...

Ô André, você percebe coisas importantes, mas processa de forma equivocada, no meu entendimento:

1) Em 2002 o PT não decidiu eleger o Lula a qualquer custo. Apenas decidiu eleger o Lula. Ponto. Até então não entendiam a política de alianças, algo necessário para participar do jogo da democracia burguesa. Ponto.

2) O fim do PT como alternativa? Acho que há, mas o PT realmente tem que ir além da legenda, pensar em uma real proposta de esquerda, algo em que vejo sérias dificuldades, concordo com você.

3) A esquerda abriu mão do debate? Não acredito. Aqui no Rio a candidata Jandira Feghali lutou por um, mas a mídia olhou para o outro lado. Fizeram de tudo para evitar o incômodo de candidatos inimigos no horário nobre.

4) Acho que há opções, depende do seu entendimento de várias questões. O PSOL, por exemplo, quer manter seu partido nos moldes do PT que não elegia o Lula e nem seus parlamentares. Nesta eleição teve um resultado pífio. O que conquistou? E o PSTU? Nadica. Fizeram boa propaganda? Necas.

Resumindo: a questão é como mudar o jogo, até para que haja “propostas inovadoras”. Eu acho que só melando tudo, e mudando. Outros, fazendo um caminho bonitinho, dentro das regras, esperando serem reconhecidos pelo seu esforço. Este caminho, o mais difícil, só combinando com os russos.