sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Ótimos achados

Duas descobertas interessantes. O blog Boimate News, feito por blogueiros jornalistas de primeira, que me levou a conhecer o blog do cineasta e também jornalista Mauricio Caleiro, autor do texto que mais me comoveu sobre o episódio MST x laranjas da Cutrale. Reproduzo aqui por achar ser algo que tudo acrescenta sobre o que este blog vem falando:

MST e laranjas

O MST é detestado por todos: da direita ruralista à esquerda chavista, passando por tucanos, petistas, psolentos, verdes, azuis e amarelos. Mesmo os que fingem apoiar o MST o detestam.

Isso porque há uma antipatia ancestral e inata contra o MST, esse arquétipo de nosso inconsciente coletivo, esse cancro irremovível que insiste em nos lembrar, mesmo nos períodos de bonança, que fomos o último país do mundo a abolir a escravidão e continuamos sendo uma porcaria de nação que jamais fez a reforma agrária.
O MST é o espelho que reflete o que não queremos ver.

Há duas questões, na vida nacional, que contradizem qualquer discurso político da boca pra fora e revelam qual é, mesmo, de verdade, a tendência ideologica de cada um de nós, brasileiros: a violência urbana e o MST. Diante deles, aqueles que até ontem pareciam ser os mais democráticos e politicamente esclarecidos passam a defender que se toque fogo nas favelas, que se mate de vez esse bando de baderneiros do campo, PORRA, CARAJO, MIERDA, MALDITOS DIREITOS HUMANOS!

O MST nos faz atentar para o fato de que em cada um de nós há um Esteban de A Casa dos Espíritos; há o ditador, cuja existência atravessa os séculos, de que nos fala Gabriel García Márquez em O Outono do Patriarca; há os traços irremovíveis de nossa patriarcalidade latinoamericana, que indistingue sexo, raça, faixa etária ou classe social:

O MST é o negro amarrado no tronco, que chicoteamos com prazer e volúpia.

O MST é Canudos redivivo e atomizado em pleno século XXI.

O MST é a Geni da música do Chico Buarque - boa pra apanhar, feita pra cuspir – com a diferença de que, para frustração de nossa maledicência, jamais se deita com o comandante do zeppelin gigante.

E, acima de tudo, O MST é um assassino de laranjas!

E ainda que as laranjas fossem transgênicas, corporativas, grilheiras, estivessem podres, com fungos, corrimento, caspa e mau hálito, eles têm de pagar pela chacina cítrica! Chega de impunidade! Como o João Dória Jr., cansei!

Jornalismo pungente

Afinal, foi tudo registrado em imagens – e imagens, como sabemos, não mentem. Estas, por sua vez, foram exibidas numa reportagem pungente do Jornal Nacional - mais um grande momento da mídia brasileira -, merecedora, no mínimo, do prêmio Pulitzer. Categoria: manipulação jornalística. Fátima Bernardes fez aquela cara de dominatrix indignada; seu marido soergueu uma das sobrancelhas por sob a mecha branca e, além dos litros de secreção vaginal a inundar calcinhas em pleno sofá da sala, o gesto trouxe à tona a verdade inextricável: os “agentes“ do MST são um bando de bárbaros.

(Para quem não viu a reportagem, informo,a bem da verdade, que ela cumpriu à risca as regras do bom jornalismo: após uns dez minutos de imagens e depoimentos acusando o MST, Fátima leu, com cara de quem comeu jiló com banana verde, uma nota de 10 segundos do MST. Isso se chama, em globalês, ouvir o outro lado.)

Desde então, setores da própria esquerda cobram do MST sensatez, inteligência, que não dirija seu exército nuclear assassino contra os pobres pés de laranja indefesos justo agora, que os ruralistas tentam instalar, pela 3ª vez, como se as leis fossem uma questão de tanto bate até que fura, uma CPI contra o movimento (afinal, é preciso investigar porque o governo “dá” R$155 milhões a “entidades ligadas ao MST”, mesmo que ninguém nunca venha a público esclarecer como obteve tal informação, como chegou a esse número, que entidades são essas nem qual o grau de sua ligação com o MST: O Incra, por exemplo, está nessa lista como ligado ao MST?).

A insensatez dos miseráveis

Ora, o MST é um movimento social nascido da miséria, da necessidade e do desespero. Eles estão em plena luta contra uma estrutura agrária arcaica e concentradora. Não se pode esperar sensatez de movimentos sociais da base da pirâmide social, que lutam por um direito básico do ser humano. Pelo contrário: é justamente a insensatez, a ousadia, a coragem de desafiar convenções que faz do MST um dos únicos movimentos sociais de fato transgressores na história brasileira. Pois quem só protesta de acordo com os termos determinados pelo Poder não está protestando de fato, mas sendo manipulado. Se os perigosos agentes vermelhos do MST tivessem sensatez, vestiriam um terno e iriam para o Congresso fazer conchavos, não ficariam duelando com moinhos de vento, digo, pés de laranja.

Mas é justamente por isso que o MST incomoda a tantos: ele, ao contrário de nós, ousa desafiar as convenções: ele é o membro rebelde de nossa sociedade que transgride o tabu e destroi o totem. Portanto, para restituição da ordem capitalista/patriarcal e para aplacar nossa inveja reprimida, ele tem de ser punido. Ele é o outro. Quantos de nós já se perguntaram como é viver sob lonas e gravetos – em condições piores do que nas piores favelas -, à beira das estradas, em lugares ermos e remotos, sujeito a ataques noturnos repentinos dos tanto que os detestam? Quantos já permaneceram num acampamento do MST por mais do que um dia, observando o que comem (e, sobretudo, o que deixam de comer), o que lhes falta, como são suas condições de vida?

Poucos, muito poucos, não é mesmo? Até porque nem a sobrancelha erótica do Bonner nem o olhar-chicote da Fátima jamais se interessaram pelo desespero das mães procurando, aos gritos, pelos filhos enquanto o acampamento arde em fogo às 3 da madrugada, nem pelas crianças de 3,4 anos que amanhecem coberta de hematomas dos chutes desferidos pelos jagunços invasores, ao lado do corpo de seus pais, assassinados covardemente pelas costas e cujo sangue avermelha o rio.

Para estes, resta, desde sempre, a mesma cova ancestral, com palmos medidas, como a parte que lhes cabe neste latifúndio.

Para a mídia, pés de laranja valem mais do que a vida humana, quero dizer, a vida subumana de um miserável que cometeu a ousadia suprema de lutar para reverter sua situação.

Mas os bárbaros, claro está, são o MST.

Por isso, haja o que houver, o MST é o culpado.

13 comentários:

Marcos Roma Santa disse...

Sem dúvida alguma, é a melhor reflexão já feita, neste país, sobre o significado do MST, mais do que na nossa cena política, no nosso imaginário como povo e como nação. O texto desvela nosso profundo reacionarismo político e nossa incapacidade de ver no "outro", no camponês brasileiro sem-terra, bem como em todos os excluídos desta nossa terra, um irmão brasileiro,que infelizmente tratamos com cão sarnento que merece ser chutado e escorraçado. Verdadeiramente, o MST denuncia para nós mesmos os limites estreitos de nossa mentalidade pseudo-progressista e humanista, quando não nos deixa completamente nús, no pelo repugnante de nossa desumanidade. Fico triste e comovido ao mesmo tempo com toda essa tragédia;tragédia de todo um povo, o povo brasileiro, manipulado e imbecilizado a ponto de ser capaz de tratar seus irmãos com tanta estupidez e indiferença, para depois condená-los quando se levantam e se revoltam, com toda justiça, contra um estado de injustiça e exploração pelo qual somos todos, mesmo que por omissão ou acomodação, os únicos responsáveis. Não haverá um Brasil verdadeiramente grande, nem um povo brasileiro verdadeiramente digno enquanto não houver, de fato, TERRA, PÃO e PAZ, com igualdade e fraternidade, para todos.

René Amaral disse...

Belíssimo texto!

Giovani de Morais e Silva disse...

Texto impecável... mas, ainda sofro pelas laranjas!

Tyler Durden disse...

Sobre os olhares e os valores
As últimas notícias exibidas na TV me chocaram. O MST destruindo plantações em Fazenda e passageiros destruindo estações de trem no Rio.

Não consigo parar de me perguntar até quando os desfavorecidos desse país só serão olhados quando chegam a atos extremos. Até quando teremos nossos olhares viciados e só enxergaremos o lado que os interesses econômicos escusos querem nos mostrar? Num primeiro momento me perguntei por que eles chegaram a esse ponto. Seria mesmo necessária tanta destruição? “A tal fazenda não é produtiva?”, perguntou-me minha comadre. Foi então que me lembrei da conversa que tive com um dos coordenadores do MST que hospedei às vésperas de uma ocupação. Eu o questionei sobre algumas ações polêmicas e ele me disse que às vezes essa estratégia era a única maneira encontrada para chamar a atenção da mídia, do poder público e da sociedade para a necessidade da reforma agrária, da distribuição de terras e do modelo de agricultura do país. Admito que naquele momento tive dificuldade em aceitar. Mas fiquei calada, continuei amiga deles e até participei do dia da ocupação, veja só...

Agora, uns anos após, tenho dentro de mim de uma maneira muito clara, que se não é assim parece que ninguém nem lembra que a questão agrária existe. Pior que isso foi perceber o quanto ainda temos uma opinião maniqueísta, preconceituosa. Perdemos o foco do que é realmente importante quando ouvimos uma notícia. O MST destruiu pés de laranja em uma fazenda que utiliza terras da União para plantar e exportar laranjas impregnadas de defensivos e fertilizantes químicos. Não concordo com a violência para resolver nada. Mas me admira que a indignação maior se dê por conta da destruição dos pés de laranja e não pelo fato deles serem plantados em terras roubadas do povo! E é estranho aparecer móveis e utensílios quebrados e ninguém ter filmado! Filmaram a destruição dos pés que ninguém previa, filmaram a retirada dos trabalhadores sem terra e não filmaram a destruição do mobiliário! Será que foram mesmo os integrantes do MST ou os empregados da fazenda a mando do “dono” só para incriminar o Movimento?

Quando a depedração nas estações de trem no Rio aconteceu, em meio àquele cenário, uma emissora de TV mostrou uma moça, trabalhadora, trêmula dizendo que a falta e o atraso dos trens acontecia diariamente. Percebia-se que ela não havia quebrado nada, mas estava indignada com a forma como era tratada. E ninguém vai discutir o direito que essas pessoas têm a transporte de qualidade? Transporte é concessão pública e as pessoas precisam chegar a esse ponto para alguém notar que estão tendo horas ou até dias de trabalho descontados, que estão pagando e sendo prejudicadas? É muita gente sendo muito prejudicada todos os dias!

Nós em nossos lares estamos sempre prontos a concordar com a entonação de criminalização dada pelos âncoras de jornal. Temos muito definido dentro de nós quem é o mocinho e quem é o bandido em cada situação.

Eu fiquei me perguntando quais valores a sociedade cultiva? Idolatramos um Capitão Nascimento que mata e espanca dezenas de pessoas inocentes em um filme, executa criminosos em um país em que a pena de morte é ilegal. Lembramos dos que pagaram o mensalão, mas esquecemos dos que receberam e se bobear os reelegemos. Ou o nosso foco é muito equivocado ou ignoramos tudo o que não ameaça os nossos pequenos interesses.

Esquecemos de reformular e cultivar um Valor moral e ético pautado na fraternidade, não na religiosa, mas na que faz com que nos irmanemos, no mínimo, com os nosso compatriotas e nos preocupemos com o que acontece com eles. Precisamos cultivar valores políticos, não o partidário, mas os que nos coloca como corresponsáveis pelo que ocorre no mundo em que vivemos.

E ainda, precisamos pensar a violência como tudo o que, de qualquer forma, viola o direito de alguém. De quem quer que seja.

Mulher Ativa (enviado por email)

publicado originalmente em: www.blogdovq.blogspot.com

Anônimo disse...

O MST que eu conheço pessoalmente critica ferozmente o PT, Lula, Chávez e qualquer coisa que não seja ele próprio.

TODOS os militantes do MST que conheço usam o mesmo vocabulário da Veja para referir-se ao PT e ao governo Lula. Chamam os programas sociais de esmola e não aceitam nada além de uma tal revolução que eles farão em dia incerto e não sabido, num futuro desconhecido em que estaremos todos mortos.

Autocrítica é bom de vez em quando. Na hora de enfrentar a bancada ruralista, e parte do judiciário que quer destruir o MST, o governo e o PT não são "neoliberais vendidos ao imperialismo e ao agronegócio" como eles repetem todo dia.

Remindo disse...

Se todos os sem-terra do país fossem acampar em Brasília, ocupando ruas, fazendo xixi e cacaca nos cantinhos da cidade, mostrando sua miséria a elite política dos país. Acho que eles nunca esperaram nada de 99,99% dos brasileiros, mas do 0,1% que é a cúpula pensante do PT esperavam tudo. Calma, sou petista e eleitor de carteirinha do Lula, agora atualmente a culpa maior é do PT e do presidente. E nem precisa das terras dos fazendeiros, pega terra pública faz nela a refórma agrária. E da terra improdutiva cobra altos impostos que seriam aplicados na educação e implantação da colonada.
Assim como hoje nos custa acreditar que a escravidão fez parte da sociedade brasileira, daqui a cem anos a pergunta será: – Mas porque não fizeram a Reforma Agrária?

Tereza disse...

Solidariedade de classe é bom de vez em quando. Não se apoia um movimento social porque seus integrantes são bonzinhos. Nada disso. O apoio é porque vivem numa situação de injustiça social.

AlceuCG disse...

Todo o artigo me comoveu profundamente, mas quando o Maurício usou o trecho de uma das mais belas criações do querido Chico Buarque, confesso que não pude segurar as lágrimas: "Para estes, resta, desde sempre, a mesma cova ancestral, com palmos medidas, como a parte que lhes cabe neste latifúndio."

Obrigado, Maurício, por expor em palavras todo o meu sentimento em relação ao MST.

AlceuCG

infinitoamanajé disse...

É a hipocrisia e o escárnio da New Worl Order belicista e escravagista elevada ao apogeu do cume da pirâmide de govenância do mundo que odeia, escraviza e explora.
Agora com prêmio Nobel.
Mantenham abertos os portões dos necrotérios. As guerras e os golpes seguem em sua agenda macabra.
Heróico MST!
Sinto muito, sou grato!

Anônimo disse...

Cheguei ao blogue do esquerdopada aqui, pela bundacanalha mesmo. Até que era divertido. Mas hoje vi o post dele sobre o MST. Reaça da pior espécie - aliás, agora sei de onde ele seleciona o "reaça do dia". Eis alguns momentos: "Por isso, meus pares, para concluir de maneira culta e civilizada, recomendo que a próxima vez que alguém do MST, Via Campesina ou seja lá quem for, te chamar de burguês ou coisa pior, você dê uma voadora no alienado", tem também todo seu sofrimento como lutador, enquanto os sem-terra, folgados, só se aproveitam, "Não basta o desgaste político medonho que nós, só nós, o MST não disputa eleição, sofremos e ainda quem é que tem barrar CPI contra o MST? Quem é que tem que usar todo seu prestígio e sua força para impedir que uns fascistóides do judiciário, remember Rio Grande do Sul, acabe com a raça deles e nossa? É, somos nós e só nós". Na boa, o cara é muito reaça, não tem nada de esquerda ali, quem se aproveita deste momento de ataques ao MST pra atacar com infantilidades como essas não pode falar por esquerda porra nenhuma.
Juliano

Vera Lúcia de Oliveira disse...

Até já pensei em participar das invasões, como forma de me solidarizar com os integrantes do MST, mas o Maurício tem razão, quando penso no sofrimento que deve ser morar embaixo de lonas, sem o menor conforto, me acovardo. Morte à direita corrupta e grileira que faz de tudo para incriminá-los.

Unknown disse...

tô há 03 horas vasculhando na net e eureca... descobri alguma coisa prestável ok....Meu município está com flora e fauna comprometida com a ação destes seres humanos aturdidos de idéias de liberdade e igualdade e agressividade. Importamos tudo: galinha,farinha,peixe,mel,cheiro verde,couve,mandioca,porco,feijão, arroz,cupú-açú,açaí......só tô falando coisas plantáveis em qualquer terreiro aquí....Chego num barraco de sem terra e visualiso uma moradia sem terreiro e sem quintal, meia dúzia de crianças barrigudas,pais analfabetos e sem estrutura humana alguma..... eu não vejo saída para este atraso num espaço de 100 anos

Mirian disse...

Texto tocante. obrigada!