quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Para não dizerem que não falei de Obama


Para falar, tenho que fazer uma revelação, bem pessoal: eu fiz um curso de meditação. Precisava dormir melhor, eliminar tensões, segui conselhos. Não aprendi o suficiente para meditar, confesso. Fui péssimo aluno. Mas ficou algo das lições do professor, formado no Oriente. A principal é a necessidade de sermos extremamente seletivos com os diversos apelos simbólicos de uma sociedade que te exige atenção o tempo todo. Aprendida a lição, coloquei logo em prática o ensinamento e chutei o curso, selecionando outras opções de informação. Ainda tenho insônias constantes e dificuldade de relaxar, mas consigo me desligar de muitos convites cotidianos à compra de diversos produtos. Sou péssimo consumidor. Talvez isso explique o meu descaso com essas eleições americanas.

Foi impressionante a quantidade de espaço dedicado a elas pela nossa mídia. Minutos e mais minutos nas TVs, páginas e páginas nos jornais, durante infinitos meses, e eu ali alheio. Claro que houve momentos em que quase fui seduzido. O título no Globo “A casa onde Obama perdeu um poodle” é um convite quase irrecusável. Mesmo assim, continuei alienado naquela fartura de informações, sem saber de algo tão fundamental e decisivo. Afinal, como se chamava o cachorrinho? E a casa? Paciência.

Ontem me rendi. Acompanhei a apuração. Fiquei impressionado com a quantidade de pessoas que esperavam Obama em Chicago para um pronunciamento como eleito. Muitos choravam quando anunciada sua vitória. Gritavam ou portavam slogans: Change, we can believe in. Yes, we can. Belo. E que coisa mais simbólica. Acredito em mudanças. Acredito que a necessidade histórica leva a elas, assim vem acontecendo há muitos milênios. Imaginar que após a primeira eleição do último presidente, em sua caminhada rumo ao Capitólio para a posse, sua limosine teve que correr, com o povo atirando ovos... Elegeram um presidente mestiço, que fala em unir o país. É um grande passo.

E a questão do simbólico, do professor zen-budista, reapareceu na minha cabeça ontem. Claro, me tirando um tanto mais do sono, aumentando minhas tensões. Pensei em nossas últimas eleições municipais, impossível não associar algumas coisas. Estas também foram bem marcadas pelo simbólico. Aqui talvez com outro slogan: No change. Reelegeram até o Kassab. Mas naquele simbólico da massa esperando o Obama fiquei mais detido, imaginando coisas. Voltei a ler a nossa rígida e parcial legislação eleitoral. Algo que soma às minhas atuais variadas preocupações. Li mais uma vez o Código Eleitoral, art 242, caput, citado na Resolução n° 22.178, em seu Art 5°, do TSE: “A propaganda, qualquer que seja a sua forma ou modalidade, mencionará sempre a legenda partidária e só poderá ser feita em língua nacional, não devendo empregar meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais”. Impressionante a preocupação dos nossos legisladores com os “estados mentais” do nosso povo. Quantos receios. Não que eu ache que na democracia americana existam mais oportunidades para a catarse coletiva. Tal evento em Chicago nada prova em contrário, mas fica o exemplo em nossa legislação dos reais temores de nossas elites. O que acham que fariam se tomados pela emoção? Votariam errado? Apoiariam um líder, como na terra de Obama aconteceu, que deu uma esculachada geral em uns soldadinhos ingleses? Maior perigo. Teríamos que conviver com esta cara em notas do nosso dinheiro por séculos. Seu nome em ruas, cidades. Coisa de terceiro mundo, né?

Por favor, é só um desabafo irônico, não quero criar artificiais estados emocionais em nosso povo. Não tenho como concorrer com nossa mídia, que para eleger um presidente com a cara do Nosferatu, um dos seus últimos quadros possíveis, conseguiu criar um falso alarme com a febre amarela, levando milhares a se vacinarem desnecessariamente, com mortes registradas por esse alarmismo. É concorrência desleal. Nem quero adiantar aqui o meu descrédito por uma verdadeira mudança nos EUA com Barak Obama. Não vale lembrar agora que seu consultor para política externa é Zbigniew Brzezinski, quem vem desenhando há muito os desafios da expansão do império americano, e que teve na família Bush bons e fiéis seguidores. Na verdade esse papo todo é para dizer que se votasse nos EUA teria escolhido Cynthia McKinney. Who? Ah, claro, ela foi candidata nestas eleições, pelo partido verde, sem espaço nas regras democráticas americanas. É uma ex-congressista atuante, com propostas de mudanças reais e possíveis para aquele país e o mundo. Corajosa, enfrentou no Congresso de lá o Rumsfeld, cobrou do governo americano suas responsabilidades no 11 de setembro, defende os governos progressistas da América Latina, inclusive cita Cuba como um exemplo de democracia. Enfim, bem diferente do que pensam nossos verdes, que gostam mais de serem vistos como símbolos, posando para fotos com militares, almejando saírem na revista Caras, convidados para o curral vip de vários eventos, e sob o aplauso de todo o Leblon.

8 comentários:

Romanzeira disse...

Vc adiantou no último parágrafo um assunto sobre o qual venho pensando. Tantos americanos, como o mundo inteiro está radiante com a vitória de Obama. Por ele ser negro e ter uma tragetória de vida e politica interessante, e principalmente por ser uma alternativa a continuidade da politica externa belicosa de Bush, todos o estão vendo como o grande "salvador da patria", quiça do mundo! Esquecem-se que ele representa um dos dois grandes partidos que detem a hegemonia politica nos EUA (o partido Democrata). Ou seja, ainda que ele tenha um discurso mais "soft" que Bush, ele ainda defende o status quo norte-americano, ainda defende o "way of life" americano, de fato ele é um típico americano mais ineressado em defender, como diria o popular, "o seu quadrado", a se comprometer com causas que realmente tem algum conteúdo progressista e modificador e que significam perdas para elites econômicas e políticas. Ser a favor do aborto, da união homossexual, de políticas assistencialistas as minorias, essas são propostas progressistas no ambito particular, e como tal são importantes (sob a ótica do jogo politico) para formar um eleitorado, mas as mudanças substanciais na sociedade, além dessas, envolvem outras propostas muito mais polêmcias e que, como já mencionei, implicam perdas para setores que não querem perder seu poder.

Jurandir Paulo disse...

Viviane, muitas das tretas internacionais que os americanos estiveram envolvidos ao longo da história aconteceram durante governos democratas. O que Obama vai fazer com o fato dos EUA, com 4.5% da população mundial, consumirem ¼ do petróleo produzido por todo o planeta? Certamente fará o mesmo até agora: vai tratar o assunto como militar, mantendo o cerco aos poços de petróleo pelo mundo com bases americanas. Impedirá a todo o custo que governos não alinhados tomem conta de suas necessidades energéticas. Mas creio que será bem diferente do governo Bush, onde havia envolvimento direto de seus representantes nos interesses no negócio da guerra e petróleo. Infelizmente as mudanças são menores do que a expectativa daquele povo.

Anônimo disse...

Oi Jurandir!

Das várias coisas importantes que eu aprendi lendo Machado de Assis, é que sem um certo cinismo, a gente não suporta as engrenagens de poder no Brasil. Notar como se dá o "mais transparente, seguro, eficiente" processo eleitoral por aqui deprime. Porque a atenção nas urnas eletrônicas afasta os olhares sbre os reguladores da estrutura democrática. Fora o senso cívico e a união que a mídia fica trombetando, o país da amizade, do samba e do futebol não permite incitar emoções na hora de eleger um representante.
A comoção desta semana me fez lembrar da posse do Lula, em 2003. Eu tinha 18 anos, foi eu primeiro voto. E como eu desejei estar em Brasília, naquele momento.

um abraço!

Romanzeira disse...

Oi Jurandir! Fico feliz que meu texto tenha influenciado o seu. Já conheço o “Abunda...” há algum tempo e estou sempre por aqui lendo, só não comento muito. Olha, realmente vivemos tempos muito esquisitos e as vezes também não vislumbro um futuro muito promissor, não, mas vamos vivendo e escrevendo nossas idéias, pelo menos isso ninguém tira e com toda a certeza os blogs são uma boa ferramenta para veicular informações com algum senso crítico, coisa que não vemos mais nos meios de comunicação tradicionais e uma forma também de discutir idéias. Os principais jornais e revistas, atualmente, com raras exceções, são panfletos reacionários do neo-liberalismo e do conservadorismo dessa nossa sociedade.
Sobre a memória, também eu não sou especialista, mas me lembrei da matéria que fiz há alguns anos e de um texto que li num outro blog que acompanho, também muito bacana, o Abobrinhas Psicodélicas, falando dessa necessidade de se criar mitos.
Sobre o Obama, concordo com vc, as mudanças serão menores que os anseios e fico até com pena dos americanos.

Moysés Neto disse...

Cuba como exemplo de democracia?

Jurandir Paulo disse...

Lembro de um vídeo onde a parlamentar justifica motivos para o fim do embargo a Cuba e diz que os americanos têm o que aprender com o regime de Fidel. Daí a minha frase. Se formos comparar pau a pau as duas democracias, presos políticos lá e cá, acho que Cuba leva enorme vantagem sobre ser um regime onde há soberania popular, conceito que justifica a doutrina. Não creio ter errado na interpretação. Mas é preciso e provocador seu comentário. Adoraria seguir adiante.

Anônimo disse...

Sobre seguir adiante... bem, não acho que os tempos sejam tão "sombrios" assim - as máscaras estão caindo. Ninguém mais acredita em "fim da História" e, apesar de pequeno, um número cada vez maior de pessoas já não se enganam com a falácia dos sistemas políticos dito "democráticos", aliás, o conceito (sim, conceito, pois a democracia de fato foi apenas esporadicamente experimentada pela humanidade dita civilizada) de democracie passa longe de constituir qualquer tipo de sistema político, tal como a monarquia ou a república.

Ah, e sobre Obama, já ouvi falar que "é o sinal da era de Aquário chegando", haha...

André Egg disse...

Cuidado, defender voto nos verdes pode ser prejudicial à saúde.

Os eleitores de Nader em 2000 foram "crucificados", e considerados responsáveis pela eleição de Bush por terem "desperdiçado" o voto com os verdes, ao invés de eleger o democrata Al Gore.

Se Cuba é uma democracia?

Taí um conceito desgastado demais. Não sei se merece ser tão incensado. Já foi apresentado como panacéia. Hoje é sinônimo de "livre-mercado". Este tipo de sociedade onde os únicos que tem algum tipo de liberdade são os tubarões do mercado.

Existem sistemas onde as coisas são distribuídas. Menores quantidades para maior número de pessoas: dinheiro, comida, energia, liberdade.