domingo, 19 de setembro de 2010

Quem é mesmo contra a liberdade de imprensa?


A ANJ e a OAB reagiram hoje ao discurso de Lula criticando a mídia. Disse a primeira que "O papel da imprensa, convém recordar, é o de levar à sociedade toda informação, opinião e crítica que contribua para as opções informadas dos cidadãos, mesmo aquelas que desagradem os governantes". "Ele [Lula] jamais criticou o trabalho jornalístico quando as informações tinham implicações negativas para seus opositores". Dois erros graves na nota: deveria ser este realmente o papel da mídia, mas nem TODA a informação por ela apurada e sabida é informada aos cidadãos. Onde está a informação do destino das fitas que o candidato José Serra confiscou de entrevista ao Jogo do Poder na TV CNT? Onde estão as opiniões e as críticas de seus colunistas e editoriais contra este atentado à informação? Segundo, pelo que me consta, o atual presidente pela primeira fez críticou diretamente o comportamento da mídia. Não lhe é permitido? A mídia não pode ser criticada em sua parcialidade? Mesmo ela tendo passado quase oito anos em campanha feroz contra seu governo, nas práticas das mais golpistas? Volto a comparar, o candidato apoiado pela imprensa pode dar um chilique em uma entrevista, mandar parar a gravação, apreender as fitas, mas é o Lula que recebe nota de protesto da ANJ?

Sugiro a leitura do Osvaldo Bertolino:

Lula e as oligarquias midiáticas

As verdades ditas pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva sobre a mídia golpista vêm despertado irada reação da direita. E, lamentavelmente, de setores que deveriam demonstrar firmeza na defesa da democracia e da verdadeira liberdade de imprensa.

É o caso do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, que tem ignorado o histórico democrático dessa entidade; do deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ), que criticou Lula e se postou ao lado da mídia golpista — fazendo pouco caso da história do seu partido de luta pela democracia e contra a mídia golpista; e de Marina Silva, do PV, que vem se esmerando no oportunismo e que não perdeu a oportunidade para dar suas ferroadas eleitoreiras.

Essa gente toda forneceu, neste domingo, munição aos provocadores e demagogos em geral que vivem à sombra das oligarquias midiáticas. Mas a democracia está contra todos eles. O progresso está contra eles. A verdade está contra eles. Suas má-criações os fazem figuras subqualificadas e desmascaram o título de escolhidos para restaurar a ordem e a moralidade públicas. Na verdade, em nome dessas bandeiras o que se vê é o mesmo histórico amontoado de asneiras, meias-verdades e mentiras pela boca de pessoas que se julgam mais sábias do que todos.

Incitação ao golpe

Lembre-se que eles tentaram manter Lula “sub judice” a fim de criar as condições para dar o bote. Esse poderoso braço do tráfico de informações da direita sonha em reviver cenas que predominavam no início da década de 60. Os métodos da direita magnetizada pela coesão que emana de clãs minúsculos estão de volta. São as mesmas faces, tangendo velhíssimos ideais. Recorde que o título do editorial do jornal Correio da Manhã que circulou no dia 31 de março de 1964 sintetizou numa palavra o desejo da elite brasileira naquele dia: ”Basta!”. No dia seguinte, 1º de abril, o jornal repetiu a dose: ”Fora!”.

A mídia vinha entoando um coro muito bem afinado contra o governo do presidente João Goulart e incitando o golpe. A Folha do dia 27 de março de 1964, em editorial intitulado ”Até quando?”, indagou: ”Até quando as forças responsáveis deste país, as que encarnam os ideais e os princípios da democracia, assistirão passivamente ao sistemático, obstinado e agora já claramente declarado empenho capitaneado pelo presidente da República de destruir as instituições democráticas?”

O Estado de S. Paulo do dia 14 de março de 1964 disse: ”(…) Depois do que se passou na Praça Cristiano Ottoni (…), após a leitura dos decretos presidenciais que violam a lei, não tem mais sentido falar-se em legalidade democrática, como coisa existente.” No dia anterior, cerca de duzentas mil pessoas participaram do famoso comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, no qual foi anunciado que o presidente acabara de assinar, no Palácio das Laranjeiras, o Decreto da Supra (Superintendência da Política Agrária), que propunha um plano de desapropriação dos latifúndios improdutivos acima de 500 hectares, por interesse social. O presidente mexeu num vespeiro.

No dia 19 de março de 1964 — dia de São José, padroeiro da família — mulheres ricas paulistas lideraram a ”Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, incitando o golpe militar. Em nome da família, de Deus e da liberdade o movimento estava defendendo os interesses terrenos dos latifundiários, banqueiros e industriais.

No dia seguinte, o jornal O Globo comentou: “Sirva o acontecimento para mostrar aos que pensam em desviar o Brasil de seu caminho normal, apresentando-lhe soluções contrárias ao ideal democrático e ensejando a tomada do poder pelos comunistas, que o povo brasileiro jamais concordará em perder a liberdade, nem assistirá de braços cruzados aos sacrifícios das instituições.” Qual a diferença dos editoriais de hoje em dia?

A marca da mídia à brasileira é exatamente a ojeriza ao pensamento avançado, humanista. A cada dia ela nos apresenta exemplos dos mais edificantes. Sempre há uma teoria do que seria-se-fosse, baseadas em características e fenômenos de um país que eles imaginam, muito diverso do país real. Equacionar, operar, extirpar e outros vocábulos os embalam em seus cálculos frios. São fantasias e fantasmagorias que não se destinam a descobrir, orientar, provar, mas… Se destinam a que precisamente? A sofismar, a mistificar e mitificar, a ludibriar.

Ruy Barbosa

Qualquer que seja o problema, por mais complexo e multiforme, não lhes faltam engenho e arte para transformá-lo em gráficos e diagramas para dar-lhe denominação própria e falsa. É caso disso, caso daquilo… E dá-lhe falsidades!

Nessa pregação golpista, o delírio teorizante atinge o auge. Como a presunção é o traço mais evidente, eles insistem no diagramar, no cronogramar, no organogramar, no topogramar para ver se com o inusitado da linguagem obtêm crédito.

Pensam que podem vencer pelo choque, pelo cansaço do prolixo. Pode-se dizer que é uma mídia nominalista. Se a realidade — onde coisas e fenômenos estão há muito nominados — não corresponde às análises, muda-se o nome das coisas e fenômenos. E aí surgem os “mensalões”, as “violações de sigilos”, os “escâdalos da Casa Civil”.

Pois saibam os que não sabiam que esse gosto pelo nome dos senhores de sua semântica esvazia o conteúdo das informações para pôr no lugar palavras ocas. Vazio igual só o daqueles pastéis que a velhinha vendia na feira, apregoando: “Pastéis de camarão!”. O comprador se aproxima, pega um, paga. Na hora de comer, diz: “Mas, minha senhora, não achei camarão nenhum!” Ela responde: “O senhor sabe como é, uns gostam, outros não gostam, uns podem, outros não, por isso não ponho.” São pastéis de vento, ou vento de pastéis. E como eles inventam nomes com facilidade, suas explicações se encaixam naquele tipo de resposta que se dá às crianças de certa idade que não perguntam para saber, mas pelo perguntar.

Muitas vezes essas falsificações são imposições a jornalistas, massacrados pela ditadura dos donos do poder, que sequer têm tempo de estudar as leis e meditar sobre os problemas nacionais, de auscultar o coração do povo, de ler e entender os processos sociais. Muitos nem foram formados neste espírito e, em terra de batráquio, precisam se agachar para não ser atingido pela língua do sapo. Desrespeitam abertamente a Constituição e outras cartas — esquecendo-se que Ruy Barbosa deixou escrito que a Constituição não é roupa que se recorte para ajustá-la às medidas deste ou daquele interesse.

Padre Vieira

Há algum tempo, a Folha publicou uma sugestiva carta de um leitor. “Desculpe, mas acabou a minha capacidade de absorver só notícias negativas. A Folha há muito deixou de praticar um jornalismo investigativo e entrou firme no jornalismo denunciativo, que não leva a nada”, disse ele. O leitor estava comunicando a perda da paciência com um determinado tipo de jornalismo. Ele não é o único nem a Folha a única publicação a colocar como prioridade de sua estratégia editorial a busca do pior em tudo.

Como diria Nelson Rodrigues, “um paralelepípedo analfabeto, uma cabra vadia ou um bode de charrete” saberiam que isso não é jornalismo. Tudo isso prova um fato: o Brasil de mentira é o que se paralisa nas crises apocalípticas anunciadas por velhos coveiros e propaladas nas manchetes e editoriais dos jornais. O Brasil de verdade é o que, a despeito de seus imensos problemas, deixou de ser uma piada. Podemos, nesse vazio de inteligência da mídia, nos consolar com as palavras do Padre Vieira, no Sermão da Sexagésima, onde se vê a causa de o povo não acreditar nessa pregação recheada de ameaças, uma discurseira que põe palavras onde faltam idéias.

Lá se diz: “As razões não hão de ser enxertadas, hão de ser nascidas. O pregar não é recitar. As razões próprias nascem do entendimento, as alheias vão pegadas à memória, e os homens não se convencem pela memória, senão pelo entendimento. (…) O que sai da boca, pára nos ouvidos, o que nasce do juízo, penetra e convence o entendimento.”

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